Critica do filme - Cisne Negro (Black Swan)

23/02/2011 12:48

Ou a representação da fragmentação de uma personalidade



Nos meados de janeiro comecei a ouvir comentários sobre um filme chamado Cisne Negro, encontrei inclusive para download em páginas da internet e confesso que a principio o filme não chamou muito a minha atenção. Claro que a Natalie Portman no elenco é no mínimo intrigante, por ela ser uma excelente atriz, entretanto me parecia apenas um filme de suspense que se utilizava do balé como pano de fundo e ponto, ou seja, nada fora do comum, mas descobri que estava completamente enganada.
O filme apesar de ter um certo suspense, é um excelente drama psicológico, onde se configura uma teia de relações que culminam para um desfecho surpreendente. Mas como eu havia dito, a principio o filme não chamou muito a minha atenção, mas de tanto ouvir falar dele e ver que também já tinha estreado em alguns dos melhores cinemas da minha cidade, resolvi dar uma olhada no trailler, e fiquei tão intrigada que resolvi conferir no cinema. Foi então que tive uma das grandes e maravilhosas surpresas na minha frente, a construção e desconstrução de uma personagem incrivelmente trabalhada pelo diretor Aronofsky.
Ou seja, a personagem de Portman, a Nina, é retratada como uma menina frágil e extremamente dedicada ao balé, e durante o filme ela vai passando por uma metamorfose, que ao mesmo tempo que a liberta, destrói sua personalidade. As exigências e pressões do estilo de vida dos bailarinos já é imensa, e ela alem disso tem que lidar com diversos outros conflitos secundários, como por exemplo a mãe, brilhantemente interpretada pela atriz Barbara Hershey, que se frustrou como dançarina por ter engravidado cedo e enxerga a filha como sua extensão, na qual tenta se realizar, ao mesmo tempo que controla todos os passos da mesma.
O diretor interpretado pelo Vincent Cassel, que a pressiona pedindo para que se liberte e se autoconheça, para que ela possa encarnar o papel dos dois cisnes, a dualidade entre fragilidade e crueldade, entre frigidez e sensualidade, branco e negro, bem e mal, disciplina e espontaneidade, ou seja, é difícil lidar com essas facetas contraditórias e complementares de todos os seres humanos, toda luz tem sempre a sombra, já dizia Jung, como buscar a perfeição em tudo e não reconhecer nosso lado negro e cruel.
Para completar a personagem que é praticamente o estopim do aflorar da psicose na personagem da Nina, a Lily, interpretada pela Mila Kunis, ela é o lado sensual e sem limites, a parte da consciência que a chama para o proibido, o libidinoso, tanto que no conflito entre a personagem da Kunis e da Hershey, vence a Lily, ou seja a sombra, entretanto a Lily ao mesmo tempo que a liberta, tenta lhe usurpar, ou seja o lado negro que quer tomar o controle, e essa pressão de ter seu trono usurpado, cair do pedestal de princesinha é que faz com que a Nina perca o controle de si e liberte seu lado mais negro, porém sua psicose acaba atingindo ninguém menos do que ela mesma.
Além dessa configuração também temos a Beth, personagem da Winona Ryder, a dançarina idolatrada pela Nina, modelo de perfeição que sucumbe aos seus olhos por ser preterida, e ao ver o que acontece a Beth, Nina imagina que o mesmo esteja ou possa acontecer com ela e o clima de competição nos bastidores da dança atinge um patamar complicado, agravando os delírios psicóticos da personagem.
Com direito a metamorfoses Kafkianas, onde a mesma vem se vê transformada em um cisne negro, visões através do espelho, vivencias de situações que nunca aconteceram, ou seja delírios, e todo tipo de situação insana.
Numa interpretação mais psicológica, usando alguns dos conceitos de Freud, teríamos a Lily como representante do Id, a parte obscura e inconsciente de onde fluem os desejos e a selvageria, instintiva por excelência, a parte a sombra da consciência, mergulhada no inconsciente, de onde não se sabe o que esperar, e que deseja a satisfação dos seus desejos a qualquer preço. Representando o Superego teríamos a mãe da Nina, ela é quem internaliza a disciplina e o controle, e a chama pra responsabilidade, medindo forças com o Id. E no meio dessa batalha a representante do Ego já fragilizado pelas pressões externas e internas, tentando equilibrar os dois lados de sua personalidade.
Em uma cena extremamente sugestiva a Nina está sentada com a mãe quando alguém toca a campainha, a mãe vai ver quem é e dispensa a pessoa, mas a Nina quer saber quem era e vai atrás, então descobre a Lily do lado de fora, numa interpretação mais superficial teríamos o Id tentando se manifestar, mas barrado pelo Superego, entretanto o Ego está cansado de tanto controle e se deixa levar pelo Id.
Entretanto a personagem da Nina vai entender e acolher o seu lado negro já no final, onde ela percebe que seus delírios eram fruto de sua imaginação e resignada chora um pouco, mas decide ir até o fim, pois o espetáculo não pode parar e aquele era o seu momento, será a sua destruição, mas também a sua libertação, assim como no Lago dos Cisnes de Tchekovsky. Parabéns a interpretação emocionante da Natalie Portman, recomendadissimo.

 

—————

Voltar